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No Brasil, o 21 de abril é um feriado nacional em homenagem a Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. O movimento político separatista foi organizado pela elite socioeconômica da capitania de Minas Gerais contra o domínio colonial português.

No entanto, o que muitos não sabem é que, entre os diversos ativistas, magnatas e intelectuais, uma mulher se destacou nesse período e é considerada pelos historiadores como a “heroína da Inconfidência Mineira”.

Nascida em 1759, em São João del Rei, Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira teve um papel significativo na política mineira. Para conhecer mais sobre sua história, o G1 conversou com a historiadora e professora Elizabeth Hallack Cobbuci.

“Ela veio de uma família aristocrata e, por isso, teve excelente educação. Era uma exceção uma mulher saber ler e escrever nessa época. A arte era um de seus principais interesses”, explica a historiadora.

Antes de completar 20 anos, conheceu Alvarenga Peixoto, uma das figuras mais importantes do movimento inconfidente. Os dois se envolveram e foram morar juntos antes de se casarem, o que foi um escândalo para a sociedade mineira da época. Além disso, o casal oficializou a união na Igreja Católica somente quando a filha deles tinha 3 anos, o que não era normal para o século XVIII.

“Um dos pontos mais importantes dessa história é que Bárbara e Alvarenga tinham grande envolvimento político na sociedade. Eles cediam a casa para as reuniões do movimento Inconfidente”.

Dessa relação familiar, veio também o envolvimento político. Segundo o escritor Aureliano Leite, no livro ‘A Vida Heroica de Bárbara Heliodora’, a presença dela foi fundamental na vida do marido:

“Ela foi a estrela do norte que soube guiar a vida do marido, foi ela que acalentou o seu sonho da Inconfidência do Brasil… quando ele, em certo instante, quis fraquejar, foi Bárbara quem o fez reaprumar-se na aventura patriótica. Disso e do mais que ela sofreu com a alta dignidade fez com que a posterioridade lhe desse tratamento de heroína da Inconfidência Mineira”.

Em 2019, 200 anos após sua morte, Bárbara recebeu o título de cidadania “in memoriam” pela Câmara Municipal de Ouro Preto.

Exílio de Alvarenga Peixoto

A Inconfidência Mineira, que até então era uma organização secreta, foi descoberta e considerada traição pela coroa portuguesa. Todos os envolvidos foram presos, inclusive Alvarenga, mas Bárbara foi poupada até certo ponto.

Isso porque, segundo a historiadora Elizabeth Hallack Cobbuci, nos interrogatórios os homens procuraram resguardar a família e os bens materiais.

Com a descoberta do movimento inconfidente, Peixoto teria pensado em delatar os companheiros, mas Bárbara teria sido veemente contra: “Antes a miséria, a fome, a morte, do que a traição!”

“Alvarenga Peixoto foi condenado ao exílio na África e teve todos os bens confiscados”, explica a historiadora.

Bárbara nunca mais viu o marido, que morreu ainda preso. Há poemas escritos para a amada, dentre eles “Bárbara Bela”.

“Bárbara bela, do Norte estrela, Que o meu destino sabes guiar, De ti ausente triste a suspirar. Por entre as penhas de incultas brenhas Cansa-me a vista de te buscar; Porém, não vejo mais que o desejo, Sem esperança de te encontrar. Eu bem queria a noite e o dia Sempre contigo poder passar;”

(Poema dedicado à sua esposa, remetido do cárcere da Ilha das Cobras)

Família e poesia

Viúva, Bárbara, mãe de três filhos, precisou lutar para conseguir administrar os bens que não foram confiscados.

“Uma parte ela conseguiu e administrou sozinha: a casa, a fazenda e a mina. Nenhuma mulher comandava sozinha uma família e os bens”, explica a historiadora Elizabeth Hallack Cobbuci, ressaltando o comportamento incomum para mulheres da época.

Como forma de resistência, Heliodora também passou a se destacar na poesia, sendo considerada autora dos primeiros poemas registrados no Brasil – em uma época em que poucas eram as mulheres alfabetizadas:

“As obras são inspiradas em seus filhos. O soneto mais famoso é dedicado à filha mais velha, Maria Ifigênia, que morreu aos 13 anos em decorrência de uma queda de cavalo”, detalha a historiadora.

“Amada filha, é já chegado o dia, em que a luz da razão, qual tocha acesa, vem conduzir a simples natureza: – é hoje que o teu mundo principia. A mão, que te gerou, teus passos guia;
despreza ofertas de uma vã beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do Filho de Maria. Estampa na tua alma a Caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da Verdade. Tudo o mais são ideias delirantes;
procura ser feliz na Eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.

(Amada filha, é já chegado o dia)

Com o passar dos anos, o esquecimento da figura de Bárbara na literatura inspirou as poetas Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa a resgatar a história da mineira. Henriqueta chegou a escrever um ensaio sobre a heroína da Inconfidência. “Se pela estirpe, descendente que era de bandeirantes, Bárbara Heliodora tinha orgulho no sangue e majestade no porte pela sua condição de mulher amantíssima saberia suavizar a situação patética em que transpôs o limiar da história.”

Panteão dos Inconfidentes

Durante a cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, no domingo (21), Bárbara Heliodora passou a integrar o Panteão dos Inconfidentes.

Na ocasião, o Museu da Inconfidência recebeu uma porção de terra do túmulo onde a poeta esteve enterrada, em São Gonçalo do Sapucaí, no Sul de Minas, desde 1819.

Os despojos foram levados até o Panteão dos Inconfidentes pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema.

No Panteão dos Inconfidentes, a lembrança de Bárbara Heliodora ficará ao lado de outros inconfidentes, como Tiradentes e o marido Alvarenga Peixoto.

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